SUS e atendimento por diferença de classe
É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, a internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes. Essa a conclusão do Plenário, que desproveu recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de internação pelo SUS com a faculdade de melhoria do tipo de acomodação recebida pelo usuário mediante o pagamento de diferença entre os valores correspondentes. O Colegiado explicou que o SUS, conforme instituído pela Lei 8.080/1990, prevê dois eixos de ação: estabelece a prestação de serviços públicos de saúde e uma gama de atividades denominadas de ações de saúde, conforme o art. 200 da CF. É regido pelos princípios da: a) universalidade, como garantia de atenção à saúde por parte do sistema a todo e qualquer cidadão, por meio de serviços integrados por todos os entes da federação; b) equidade, a assegurar que serviços de todos os níveis sejam prestados, de acordo com a complexidade que o caso venha a exigir, de forma isonômica, nas situações similares; e c) integralidade, reconhecendo-se cada indivíduo como um todo indivisível e integrante de uma comunidade. Embora os serviços de saúde devam obedecer a esses princípios, estão limitados pelos elementos técnico-científicos, e pela capacidade econômica do Estado. Nesse contexto, possibilitar assistência diferenciada a pessoas numa mesma situação, dentro de um mesmo sistema, vulnera a isonomia e a dignidade humana. Admitir que um paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou a médico de sua confiança mediante pagamento subverte a lógica do sistema e ignora suas premissas. Além disso, a Constituição não veda o atendimento personalizado de saúde, e admite o sistema privado. Os atendimentos realizados pela rede pública, todavia, não devem se submeter à lógica do lucro, por não ser essa a finalidade do sistema. Ainda que os supostos custos extras corressem por conta do interessado, a questão econômica ocupa papel secundário dentre os objetivos impostos ao ente estatal. A implementação de um sistema de saúde equânime é missão do Estado, que deve buscar a igualdade sempre que chamado a atuar. O Tribunal assinalou que a diferença de classes dentro do sistema também não leva a maior disponibilidade de vagas na enfermaria, porque há um limite de admissão de pessoas para cada estabelecimento, e todo paciente, mesmo em acomodações superiores, é contabilizado dentro do mesmo sistema público. Sublinhou precedentes do STF relacionados ao tema, em que garantido, em casos excepcionais, o tratamento diferenciado, a despeito da proibição de pagamento a título de complementação aos hospitais, por internação de pacientes em quartos particulares. Ocorre que os julgados dizem respeito a casos individuais, baseados na situação clínica de pacientes específicos, e grande parte deles se dera na fase de implementação do SUS. No presente caso, entretanto, se objetiva implementar a diferença de classe de modo amplo e irrestrito. Assim, embora se reconheça que o SUS ainda carece de recursos e de aprimoramento para se consagrar como um sistema que atenda às suas finalidades constitucionais e legais, deve haver esforços no sentido da promoção da igualdade de acesso, e não em sentido oposto, em lara ofensa à Constituição.
RE 581488/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 3.12.2015. (RE-581488)
Decisão publicada no Informativo 810 do STF - 2015
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